Já fazem cinco meses que entramos em quarentena com fechamento de comércios, algumas indústrias, bares e restaurantes e outros setores da economia em virtude da pandemia de COVID-19. Durante esse período, constantemente é noticiado a queda de arrecadação da União e demais entes federados[1][2] e de outro lado, o aumento de gastos principalmente com saúde e auxilio financeiro a Estados e Municípios para que consigam sobreviver ao período pandêmico.

Ainda no começo do período de isolamento e diante dos casos crescentes de coronavírus, viu-se a necessidade de um Estado com funções de investidor, protetor e estabilizadora. A crise sanitária rapidamente provocou efeitos nefastos, com proporções e características inéditas, na economia brasileira que vinha cambaleando desde o ano 2015 e diante do número de desempregos gerados, surge o debate sobre redinamizar a economia criando renda e emprego com aumento nos gastos públicos.

Para redinamizar a economia com aumento nos gastos públicos, é necessário que estes tenham efeitos multiplicadores, ou seja, a cada real que o Estado paga, o Produto Interno Bruto (PIB) deve aumentar em mais de um real à medida que a renda gerada seja consumida. Porém, existe uma pedra no caminho da atuação do Estado aprovada no ano de 2016 que se chama: teto de gastos públicos ou EC 95/2016.

Aprovada sobre o discurso de reduzir os gastos do Estado e controlar o déficit público, a EC 95/2016 estabelece um novo regime fiscal com duração de vinte anos, começando a partir de 2017, onde os gastos primários do governo ficam vinculados ao orçamento do ano anterior reajustados pela inflação acumulada dos últimos doze meses. Em outras palavras, temos um teto que impede o aumento real dos gastos públicos, que é incompatível com o modelo de estado de bem-estar social adotado pela Constituição Federal de 1988 e que diante da crise provocada pelo coronavírus mostra-se na contramão de atuação de um estado com função estabilizadora.

Colocar o déficit público como algo ruim é um discurso perigoso adotado pelo governo Temer para justificar a aprovação da EC 95/2016 e que se mantém até os dias atuais. O perigo reside no fato de que a sociedade brasileira optou em 1988 por um estado de bem-estar social e a construção de toda essa estrutura que garante educação, saúde, segurança pública e outras benesses requer investimento público. Assim, um país que possui déficit público não teve, necessariamente, uma má administração. Países que investem em infraestrutura como vinha ocorrendo com a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), acumula déficit em virtude de políticas desenvolvimentistas.

Diante da situação de perda de renda e empregos, como é o caso brasileiro, é papel do Estado estimular a economia por meio de uma expansão de gastos públicos e, estando com os gastos limitados a um teto a atuação do Estado será ineficiente não havendo espaço para políticas redistributivas da renda e provocará conflitos pela busca de investimento em itens não obrigatórios do orçamento público. Nesse momento, em que os investimentos privados são tímidos ou quase inexistentes para inovações tecnológicas e geração de emprego e, em que há aumento demanda por serviços públicos, a EC 95/2016 apresenta-se como uma figura de agravamento ou, pelo menos, prolongamento dos efeitos da crise do coronavírus.

Como forma de desvio a essa pedra que permanecerá no meio do caminho até 2037, a câmara dos deputados fez a PEC 10/2020 ou PEC do Orçamento de Guerra que institui regime extraordinário fiscal e financeiro dando maior flexibilidade ao governo para realizar gastos e descumprir a EC 95/2016. A PEC 10/2020 foi aprovada e promulgada, tornando-se a EC 106/2020 [3]e, tem a sua importância no pandêmico que vive o Brasil, porém além de não resolver os problemas que serão causados a longo prazo pela EC 95/2016, valerá somente enquanto durar o decreto aprovado pelo Congresso Nacional que reconhece estado de calamidade pública.

Logo, em um curto prazo, haverá novamente o debate sobre a limitação de gastos públicos trazida pela EC 95/2016, que mais se mostra uma política cíclica de agravamento da crise que em vive o Brasil desde 2015, com a retirada de direitos sociais, estabelecendo políticas fiscais diametralmente opostas aquelas estabelecidas pela Constituição Federal de 1988.

 

Por Maria Elvina Lages Veras Barbosa

Graduada Em Direito Pelo Instituto Professor Camillo Filho (2018). Pós-Graduanda Em Direito Constitucional E Administrativo Pela Escola Do Legislativo Do Piauí. Graduanda Em Ciências Econômicas Pela Universidade Federal Do Piauí.

[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-06/pandemia-faz-arrecadacao-cair-329-em-maio-fechando-em-r-774-bi

 

[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-05/arrecadacao-cai-28-9-em-abril-e-fica-em-101-1-bilhoes

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc106.htm