A morte de um homem negro por um policial branco nos EUA tem despertado a fúria de pessoas pelo mundo e não apenas em solo americano, provando que os pilares da equidade, da liberdade e da igualdade não estão de fato consolidados e que por isso devemos exercer uma vigilância constante.

O vídeo mostra um homem negro já dominado por um policial branco, sem condições de esboçar qualquer reação. Na cena, com joelho no pescoço do homem negro, o policial branco o impede de respirar. Independente do crime cometido por George Floyd, se é que ele o cometeu, a cena demonstra que o Estado julgou e aplicou a pena de morte instantaneamente, sem qualquer possibilidade de defesa, sem o devido processo legal.

Desde a Declaração da Independência Americana, inspirada nos ideais iluministas que fundamentaram a Revolução Francesa, o que se vê é que essas declarações de direitos não foram efetivadas a contento. A guerra civil americana, a guerra de Secessão, teve como ponto central a questão da escravidão em solo americano, deixando após seu fim as marcas da separação da nação de uma ferida que nunca foi costurada.

Em sua agonia pela vida, Floyd dizia: “não posso respirar”. A frase de Floyd, na verdade, refletiu a voz de milhões de pessoas pelo mundo que também não podem respirar, seja pela pandemia do Corona vírus que assola toda humanidade, seja pela cortina de intolerância que parece cobrir o mundo.

A intolerância que permeia o mundo atual tem gosto de arrogância. Arrogância que se põe em evidência pela distinção da cor da pele, da orientação sexual, do local de origem, enfim, do modo de vida que não segue um padrão imposto por aqueles que atualmente governam as grandes economias do mundo. Uma espécie de ética imperativa que se impõe como rumo, devendo excluir todos os diferentes, independente de qual seja a diferença.

No caso emblemático da Suprema Corte Americana, julgado em 1954, o chamado caso “Brown vs. Board of Education of Topeka, Kansas”,  a Corte decidiu pelo fim da segregação racial em escolas públicas americanas, com base na 14ª emenda da Constituição, entendendo que a partir de então não poderia mais haver escolas para brancos e escolas para negros em solo americano.

Anos depois, a morte de Floyd com um joelho no pescoço demonstra claramente que os temas nunca estão enterrados, que precisamos ficar em estado de alerta constante na defesa dos direitos humanos.

No Brasil, a morte de “Floyds” é constante. Dados do IBGE demonstram que a população negra é a principal vítima de homicídios no país. Estudos do Instituto demonstram que entre 2012 e 2017 foram registrados 255 mil mortes de negros por assassinato; em proporção, negros têm 2,7 mais chances de ser vítima do que brancos.

Por enquanto, o silêncio no Brasil é doloroso, mas não surpreende. Uma das principais relações imperativas dos povos colonizadores em relação aos povos colonizados era o silenciamento. Isso impõe ao povo a própria negativa dos seus direitos e, por via reflexa, a não perspectiva do questionamento, do inconformismo.

Mas a morte de Floyd não cairá no esquecimento. Ela apertou um grande gatilho no mundo. O gatilho do inconformismo, da luta pelos direitos conquistados, da luta pela igualdade efetiva dos seres humanos. Aquele joelho está no nosso pescoço, no seu pescoço, no meu pescoço, estamos também sem poder respirar. Nada será em vão.

 

Carlos Wagner Araújo Nery da Cruz
Magistrado, Professor Efetivo do Curso de Bacharelado em Direito da UESPI, Presidente da Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos e Mestre em Direito – PUCRS, Coordenador do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Justiça e Efetividade (UESPI)