Nos últimos anos tem ganhado força no Brasil um discurso econômico, midiático e de gestão pública que prega a redução do tamanho do estado brasileiro. O argumento dessa corrente é o de que “o estado brasileiro é grande, é inchado, e isso impede o país de se desenvolver”. Ou seja, teríamos um estado gigante, paquiderme, ineficiente, e que isso prejudica os investimentos necessários para que a infra-estrutura do País seja modernizada e que o mercado capitalista possa finalmente vingar por essas terras.
O principal alvo de ataque dessa corrente de pensamento são os serviços públicos e os seus servidores. Diz-se por aí que temos servidores públicos de mais no Brasil, que ganham como marajás, que são ineficientes, que possuem privilégios, enfim, são muitos os argumentos que são colocados, em geral desacompanhados de demonstrações técnicas e estudos que possam embasar essas afirmações. Agora já se fala até em extinguir a estabilidade e outros direitos dos servidores públicos como forma de dar maior “eficiência” ao serviço público. A pergunta que fica é: isso é verdade mesmo? O estado brasileiro é mesmo grande? Ou isso é apenas um mito vendido por interesses mercadológicos e econômicos que pretendem se apropriar de ações que hoje cabem ao estado brasileiro?
Em tempos de “pós-verdade”, resolvi buscar a verdade por trás dessas afirmações, e pesquisar textos e dados relacionados ao assunto, e encontrei facilmente alguns em vários sítios da internet. A informação esta aí, a disposição de toda e qualquer pessoa que tenha o interesse de realmente realizar um debate qualificado sobre esse tema. Achei inicialmente um estudo do pesquisador André Levy, um matemático com doutorado fora do Brasil que se dedica ao estudo desses dados (http://brasildebate.com.br/nao-o-estado-brasileiro-nao-e-grande/). Ele afirma que a “tese de que o Estado brasileiro é inchado não se verifica se olharmos para quantas pessoas trabalham no setor público”. Segundo o pesquisador, o Estado brasileiro emprega pouco mais que 10% do mercado de trabalho; na Noruega e na Dinamarca, pelo menos 1 de cada 3 trabalhadores são funcionários públicos. E mesmo o Chile, “freqüentemente citado como modelo de eficiência no setor público na América do Sul, emprega uma parcela do seu mercado 50% maior que o Brasil”. Ou seja, enquanto nos países nórdicos, que estão na ponta do IDH mundial, o emprego de pessoas no setor público chega a quase 30%, no Brasil é de pouco mais de 10%, ou seja, bem abaixo do que ocorre em países ultra desenvolvidos. E cabe lembrar que esses países já possuem uma rede de proteção social que o Brasil anda ainda bem longe de alcançar.
Os problemas da administração pública brasileira apontados pelo pesquisador também dever ser destacados: ele diz que a previdência social brasileira consome a arrecadação em proporção bem superior à praticada em outros países, e isso é um problema que merece ser corrigido, assim como, por exemplo, aponta que no Brasil se gasta 5 vezes mais em educação superior que na educação básica. Outro ralo apontado por ele é na tributação: há um excesso de renúncia fiscal no Brasil, o que vem provocando perdas substanciais de arrecadação nos últimos anos. Sem falar na injustiça tributária praticada no País. Segundo ele, “para quem ganha bem, o Brasil é praticamente um paraíso fiscal (especialmente dadas as oportunidades de evasão). E quem ganha pouco é quem realmente mais contribui do que tem, e que menos recebe em troca”.
Paulo Kliass e José Celso, em um estudo publicado em diversos jornais e revistas pelo País, dizem que bastaria analisar dois indicadores para se chegar à conclusão de que a afirmação de que o Brasil possui um “estado gigante e ineficiente” não passa de um mito. A primeira seria a carga tributária brasileira, e a segunda o percentual de trabalhadores empregados no serviço público. Os pesquisadores afirmam que “a participação da arrecadação fiscal no PIB brasileiro não carrega o exagero que os analistas liberais costumam acentuar”. E o mesmo pode ser dito a respeito do tão propalado “inchaço” de nosso setor público – o percentual de servidores no total da força de trabalho situa-se abaixo de países assemelhados, como já visto acima. O artigo com as informações dos pesquisadores pode ser encontrado em: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/tres-mitos-liberais-sobre-o-estado-brasileiro/.
Isso nos leva a conclusão que alguns debates sobre assuntos extremamente importantes no Brasil têm sido muito mal conduzido, e baseado em senso comum e nas crenças ideológicas do que propriamente em dados concretos. O debate tem que ser melhor qualificado, e é preciso que tenhamos a maturidade e a grandeza de fazê-lo com base em dados concretos, em estudos científicos, e não em meras afirmações de ordem puramente ideológicas e sem qualquer vinculação com a realidade. Não defendo o estado ineficiente. Mas é preciso conhecer os problemas e atacá-los pontualmente, não execrar e enterrar todo que se faz no Brasil. Afinal, existem excelentes órgãos públicos, que possuem boa estrutura e funcionam bem, e temos outros, como, por exemplo, as escolas públicas e creches que sequer possuem uma estrutura adequada em todo o país.
Ou seja, pelo que se pode ver é preciso analisar com muita calma essa afirmação feita por muitas pessoas de que o Brasil tem um estado grande, pesado, e que deve ser diminuído. A questão não é tão simplista, e deve ser compreendida no seu todo, como algo complexo. Não discordamos que existam realmente graves problemas de ineficiência, e que alguns órgãos sequer deveriam existir. Por outro lado, em alguns lugares o estado praticamente não atua, e as condições de funcionamento do nosso sistema de saúde e de educação ainda são muito precários. Mas dizer que temos um estado grande é exagero. Ou má-fé.
A pandemia atualmente em curso pôs abaixo esse discurso. Muitos estados estavam completamente despreparados para enfrentar a covid-19. Faltavam hospitais, leitos, médicos, enfermeiros, centros de pesquisa, pesquisadores, cientistas, medicamentos, dentre outras demandas extremamente necessárias nestes tempos. E a resposta ao covid veio exatamente dessas pessoas, taxadas de “parasitas” por algumas pessoas no debate público. Foram esses agentes públicos, tão desprezados e desvalorizados que deram a resposta, seja na linha de frente, seja na retaguarda do serviço público, em setores de apoio. O fato é que o serviço público é ainda mais imprescindível nos dias de hoje, e mostra que para o futuro é preciso que tenhamos servidores ainda mais capacitados e reconhecidos. Se hoje o combate ao covid se dá mesmo nas condições atuais, em que não graves problemas e pouco reconhecimento dos servidores públicos, fica demonstrado no cenário atual que tal discurso não passa de falácia, e que é preciso maiores investimentos no serviço público como um todo.
A sociedade brasileira, em sua maioria, reclama por mais serviços públicos de qualidade. Não se trata, portanto, de reduzir o tamanho do Estado, mas de investir mais e melhor nele, para que tenhamos serviço público de qualidade e atendendo com maior eficiência as demandas do nosso povo, que são muitas ainda, principalmente em educação, saúde e assistência social. É hora de reconhecer que sem o serviço público teremos mais sofrimento, descaso e aprofundamento do fosso social que marca a sociedade brasileira.
Por Marcos Luiz da Silva
Bel. em Direito. Especialista em Direito Público. Mestre em Filosofia (UFPI).
Professor da Uespi. Advogado da União.