INTRODUÇÃO
Os atos e termos processuais são tratados pela Consolidação das Leis do Trabalho a partir dos seus artigos 770 e seguintes. Mas esses dispositivos não podem ser aplicados a contento atualmente, considerando as rápidas transformações sociais ocorridas, especialmente em tempos de pandemia.
A abordagem principal do presente artigo diz respeito às audiências telepresenciais na Justiça do Trabalho e até que ponto elas podem ser realizadas, considerando os princípios do livre acesso à justiça, do contraditório e da ampla defesa, todos de cunho constitucional.
Logo, a abordagem deve ser feita considerando o art. 15 do Código de Processo Civil que é aplicável de forma supletiva e subsidiariamente ao Processo do Trabalho. Esses sistemas, na verdade, comunicam-se de forma global e não são excludentes um do outro. Ao contrário, devem ser inclusivos e aplicados de forma a preservar os princípios constitucionais mencionados.
AUDIÊNCIAS TELEPRESENCIAIS NO PROCESSO COMUM
Há vários dispositivos no Código de Processo Civil que possibilitam a realização de audiências telepresenciais ou por videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.
No art. 236, § 3º, do Código é possível perceber claramente tal hipótese legal, mesmo que a princípio se verifique que a intenção primeira era o cumprimento de cartas precatórias.
Além disso, o art. 385, § 3°, do CPC disciplina acerca do depoimento pessoal da parte que residir em comarca diversa daquela onde tramita o processo, possibilitando que o depoimento pode ser colhido por videoconferência ou outro meio tecnológico que assim permita.
A princípio, percebe-se que o texto legal tinha por fim acobertar atos processuais a serem praticados pelas partes que não residiam nos limites da jurisdição da comarca. No caso da Justiça do Trabalho, nos limites da jurisdição da Vara do Trabalho.
Nesse mesmo sentido é o art. 453, § 1º, do CPC, que trata da oitiva de testemunha em local diverso da comarca onde tramita o processo, situação que poderia ocorrer durante a instrução do feito.
Claramente, o objetivo principal da norma jurídica é evitar a expedição de uma carta precatória notificatória, podendo o próprio juiz deprecante colher o depoimento da testemunha.
A acareação de testemunha por videoconferência também é prevista no art. 461, § 2º, do mesmo Código de Processo Civil.
No que diz respeito à sustentação oral nos tribunais, também permite o Código de Processo Civil, conforme seu art. 937, § 4º, que o advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal poderá fazer sua sustentação oral por videoconferência, desde que apresente requerimento até o dia anterior ao da sessão.
Portanto, as previsões legais nesse sentido no Código de Processo Civil já disciplinavam sobre o instituto, mas dentro de uma situação de regularidade processual.
AUDIÊNCIAS TELEPRESENCIAIS NO PROCESSO PENAL
A Lei nº 11.900, de 08 de janeiro de 2009 alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal para prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência.
É bem verdade que essa lei foi pensada para o Processo Penal dentro de suas matrizes hermenêuticas, mas os princípios de ordem constitucional, citados no átrio do artigo, foram preservados.
Da nova redação do art. 185 do Código de Processo Penal podemos ressaltar dois parágrafos, quais sejam, o quinto e o sexto.
A saber:
“§ 5o Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.”
“§ 6o A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.”
Observa-se que a lei garantiu a comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do fórum, e entre esse e o preso.
Ao contrário da pandemia, os atos são praticados não no fórum (para ficar apenas nesse exemplo), mas no local de recolhimento da parte ou de seus procuradores, por conta das regras de isolamento social. Não que isso prejudique o ato em si da audiência por teleconferência, mas impõe ao juiz um dever de cautela muito maior em relação a tal ato, pois não haverá ninguém para monitorar esse ato processual de perto, considerando o lugar de fala de cada integrante da relação jurídico-processual.
Não haverá, pois, sala reservada para a prática do ato processual ou fiscais representantes da justiça para acompanhar os atos em si, diante do momento pelo qual estamos atravessando.
AUDIÊNCIAS TELEPRESENCIAIS NO PROCESSO DO TRABALHO
O Conselho Superior da Justiça do Trabalho, no ATO CONJUNTO CSJT.GP.GVP.CGJT Nº 5 , DE 17 DE ABRIL DE 2020, concedeu aos Tribunais Regionais do Trabalho a possibilidade de regulamentar suas audiências telepresenciais, conforme art. 4º, § 1º, do regramento, a saber:
“O conjunto dos procedimentos administrativos e técnicos necessários para retomada das audiências deverá ser regulamentado em cada Tribunal Regional do Trabalho, consideradas as peculiaridades regionais, ouvidas previamente as respectivas Seções da OAB e a Procuradoria Regional do Trabalho.”
No TRT da 22ª Região, o Ato Conjunto GP/CR nº 009/2020 regulamentou as audiências de primeiro grau de jurisdição no âmbito do Tribunal. O ato disciplina vários aspectos, dentre eles, conforme art. 14, que advogados e partes podem deixar de aderir às audiências telepresenciais se as condições para a prática do ato não se mostrarem preenchidas.
O artigo mencionado atende o critério da razoabilidade e se mostra receptivo aos princípios do acesso à justiça, do contraditório e da ampla defesa. De fato, existem várias realidades no Brasil. A realidade dos Estados mais pobres da Federação, dentre eles o Piauí, é que nem todos os usuários da Justiça do Trabalho possuem condições técnicas de participar de uma audiência telepresencial.
É sabido que a sociedade cobra do Poder Judiciário que os atos processuais continuem sendo praticados em tempo de pandemia, e com razão, mas os princípios maiores de natureza processual, previstos na Carta Maior, não podem ser vilipendiados.
Quando o CNJ através da Resolução nº 105 de 2010 trata sobre interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência o faz imaginando a aplicação dos institutos em especial no Processo Penal.
O artigo 4º do ato, por exemplo, assim dispõe:
Art. 4º No fórum deverá ser organizada sala equipada com equipamento de informática conectado com a rede mundial de computadores (internet), destinada para o cumprimento de carta precatória pelo sistema de videoconferência, assim como para ouvir a testemunha presente à audiência una, na hipótese do art. 217 do Código de Processo Penal.
Trata o ato, na verdade, de interrogatório e inquirição de testemunha por videoconferência. Mas logo no art. 4º percebe-se que para que o ato ocorra o fórum deverá ofertar uma sala equipada com equipamentos necessários para o ato possa ocorrer.
No caso da pandemia do Covid-19 existem as regras de isolamento social em plena vigência, logo nem mesmo tais normativos do CNJ quanto à matéria podem ser aplicados da completude, pois as atuais regras sanitárias impedem aglomeração de pessoas.
CONVENÇÕES PROCESSUAIS SEGUNDO O NOVO CPC. PROCESSO DEMOCRÁTICO E FORMAL-VALORATIVO.
Quanto às convenções processuais, cabe a análise de alguns dispositivos do Código de Processo Civil.
Em primeiro lugar, o art. 194 do CPC disciplina que os “sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções.”
O acesso e a participação das partes e procuradores no Processo do Trabalho devem ser vistos com temperamentos. Como dito em linhas passadas, a maioria dos usuários da Justiça do Trabalho é composta por trabalhadores hipossuficientes, cabendo ao juiz verificar no caso em análise se as garantias processuais dos mesmos estão sendo respeitadas.
Mais importante ainda é o artigo 190 do Código de Processo Civil, que trata das convenções processuais, senão vejamos:
“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
O artigo reflete muito bem a natureza democrática no novo processo. Não estamos falando aqui de um processo meramente instrumental onde o lugar do juiz é praticamente de império.
O processo deve ser visto na sua perspectiva formal-valorativa, em consonância com o texto da Constituição Federal. Por isso, as partes têm liberdade para convencionar sobre o procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, encaixando-se a hipótese em perfeita sintonia com o momento atua da pandemia.
A convenção processual é perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho se compreendemos o processo como um sistema único, que se comunica através de seus institutos de forma ampla, sempre com base nos princípios processuais de natureza constitucional.
CONCLUSÕES
As audiências telepresenciais encontram-se fundamentadas em regras previstas em normativos dos Tribunais, do Conselho Nacional de Justiça e da própria legislação. Encontram respaldo para que sejam realizadas, portanto.
Contudo, os aplicadores do direito, os atores processuais, não podem suplantar a eficácia de princípios constitucionais como o acesso à justiça, contraditório e ampla defesa. Mesmo que em conflito com o princípio da razoável duração do processo, nessa antinomia, devem prevalecer os princípios garantidores do devido processo legal.
Em especial no Processo do Trabalho, faz-se necessário que o magistrado perceba, quando da aplicação do instituto das audiências telepresenciais, que a grande maioria dos usuários da Justiça do Trabalho é formada por trabalhadores hipossuficientes, trabalhadores que não dispõem de recursos financeiros ou até mesmo conhecimento técnico para acessar aplicativos ou aparelhos necessários ao bom andamento da audiência telepresencial.
Além disso, a legislação processual permite convenções processuais para a salvaguarda de atos processuais, o que é perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho, a fim de que os procedimentos sejam efetivados sem demais prejuízos ao devido processo legal.
Vivemos em tempos de processo democrático, formal-valorativo, que pressupõe um diálogo maior entre os atores processuais, tudo em prol do fim maior, uma tutela jurisdicional de qualidade.
Por Carlos Wagner Araújo Nery da Cruz
Juiz do Trabalho, Professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Mestre em Direito (PUCRS)